Por Érika Lourenço e Regina Helena de Freitas Campos
Universidade Federal de Minas Gerais
Caros colegas e amigos,
Temos uma notícia importante para transmitir a vocês. É que nos dias 27 e 28 de maio de 2019 participamos em Moscou, na Rússia, a convite do governo de Moscou e do Centro Alexander Solzenítcin dos Russos no Estrangeiro, da cerimônia de inauguração do Museu da Rússia no Estrangeiro (Museum of Russia Abroad), dedicado à memória dos cidadãos russos que deixaram o país por motivos políticos, étnicos ou pessoais durante o século 20, sobretudo após a Revolução de 1917. O endereço do Museu é: 109240, Moscow, Nizhniia Radishevskaia street, 2.
A organização do Museu é fruto do trabalho dos pesquisadores do Centro Solzenítcin (Alexander Solzhenitsyn House of Russia Abroad), instituído em 1995 como Lybrary-Foundation “Russia Abroad”, renomeado como House of Russia Abroad in 2005, ao qual foi atribuído o nome de Alexander Soljzenítsin (dissidente soviético, Prêmio Nobel de Literatura em 1970) após sua morte em 2008. Desde sua fundação, o Centro tem sido responsável por reunir informações e documentação, e pela realização de pesquisas sobre a chamada diáspora russa, isto é, a história de cientistas, escritores, intelectuais e profissionais que deixaram o país por motivos políticos, étnicos ou pessoais, e construíram obras relevantes em outros países. Este esforço resultou na coleta de relatos, textos, livros, imagens e objetos que retratam aspectos das vidas pessoais e profissionais dessas pessoas que agora são homenageadas no Museum of Russia Abroad, que documenta aspectos importantes da presença mundial da cultura e da intelectualidade russas em países estrangeiros durante o século 20.
Localizado anexo ao Centro Alexander Soljenítcin, em um prédio de 4 andares construído especialmente para abrigá-lo, o Museu impressiona os visitantes pela beleza da exposição, pelo registro historiográfico competente e expressivo da vida dos exilados e migrantes russos no estrangeiro no contexto das transformações sociais e conflitos políticos que marcaram o século 20 na Rússia e em vários outros países. Exibe objetos de uso pessoal, vestimentas, malas, livros, correspondências, máquinas de escrever, peças de mobília, medalhas, moedas, itens de coleções, lado a lado com fotografias, imagens de vídeo, músicas, livros e registros de vozes. Permite assim, com sensibilidade, que se vislumbrem as diferentes faces da diáspora russa: a rotina e o estilo de vida dos migrantes, as dificuldades enfrentadas, a nova vida que construíram em terras mais ou menos distantes, o impacto cultural de seu trabalho em outros países, a saudade de casa que a memória manteve viva nas gerações seguintes.

Especialmente interessante para nós é presença da psicóloga e educadora russo-brasileira Helena Antipoff (1892-1974) entre os personagens retratados pelo Museu. Em uma vitrine especial, nossa professora, fundadora da cadeira de Psicologia da Educação na Universidade de Minas Gerais (atual Universidade Federal de Minas Gerais) e criadora de obras de grande relevância no Brasil, é lembrada através de uma exposição de objetos pessoais (sapatos, luvas e peças de artesanato mineiro que colecionou), de um retrato ao lado das imagens dos demais personagens ali representados, de livros e fotografias que ilustram sua trajetória, bem como as biografias de seu marido, o escritor e jornalista Victor Iretsky (1882-1936), e de seu filho, o também psicólogo Daniel Antipoff (1919-2005). Os objetos e documentos em exposição foram cedidos pela Fundação Helena Antipoff e pelo Centro de Documentação e Pesquisa Helena Antipoff, com a autorização do Conselho do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural da cidade de Ibirité, em Minas Gerais, onde Helena Antipoff viveu e dirigiu o Complexo Educacional da Fazenda do Rosário entre os anos de 1950 e 1970. A historiadora Marina Sorokina, do Centro Solzenítcin, visitou o acervo Antipoff por duas vezes, em 2012 e 2017, e organizou a exposição junto com a psicóloga Natalia Masolikova, estudiosa da história da Psicologia russa e da trajetória de Antipoff naquele país, anterior à sua vinda para o Brasil.

Helena Antipoff nasceu em Grodno, na Rússia, em 1892, cursou a escola primária e secundária em São Petersburgo (até 1909), fez estudos superiores em Paris (Sorbonne) e Genebra (Instituto Jean-Jacques Rousseau) entre 1910 e 1915. De volta à Rússia em 1916, assistiu à eclosão da Revolução Comunista de 1917, à Guerra Civil, e trabalhou no Sistema de Educação do Comissariado do Povo, responsável pelo exame psicológico e distribuição de crianças para instituições em Petrogrado (órfãos, crianças de rua e crianças socialmente necessitadas) entre os anos de 1919 e 1924. Em 1924 deixou o país para se reunir ao marido Viktor Iretzki, então exilado em Berlim por motivos políticos. Transferiu-se então para Genebra, a convite de Èdouard Claparède, de quem foi assistente no Laboratório de Psicologia da Universidade de Genebra e no Instituto Jean Jacques Rousseau entre 1926 e 1929. Em agosto de 1929 foi convidada a lecionar Psicologia na Escola de Aperfeiçoamento de Professores de Belo Horizonte. Transferiu-se então para o Brasil, onde permaneceu por toda a vida, tendo obtido a cidadania brasileira em 1951. Sua obra inclui contribuições relevantes nas áreas da Psicologia e das Ciências da Educação, especialmente Educação Especial, Educação de Bem-dotados e Educação Rural.
Outro personagem da Psicologia latino-americana cuja biografia está retratada no Museu é o biólogo e psicanalista russo-argentino Konstantin Ivanovitch Gavrilov (1908-1982). Nascido em Novgorod, Rússia, Gavrilov formou-se no ginásio em Tallinn, na Estônia, e cursou a Faculdade de História Natural na Charles University em Praga, na Tchecoslováquia, entre 1927 e 1933. Em 1938 migrou para a Argentina, onde seus pais viviam. Foi professor na Universidade Tucuman, membro honorário da Academia de Ciências da Argentina, autor de mais de 80 artigos científicos publicados. Sobre temas da Psicologia escreveu El problema de las neurosis en el dominio de la reflexología (Buenos Aires, 1944), e El psicoanálisis a la luz de la reflexología: enfoques biológicos de la psicología profunda (Buenos Aires, 1953).

Se tiverem a oportunidade de ir a Moscou, não deixem de visitar o Museum of Russia Abroad!
Referências:
Campos, R. H. F. & Lourenço, E. (2019) Helena Antipoff: Science as a Passport for a Woman’s Career between Europe and Latin America. Transversal: International Journal for the Historiography of Science 6: 15-34. Disponível em: https://www.historiographyofscience.org/index.php/transversal/article/view/123/200Acesso em 13/08/2019.
Masolikova, N. (2014) Helena Antipoff’s Russian Years. In: Sorokina, M. & Masolikova, N. (2014) The global educational space and academic migrants – The legacy of Russian-Brazilian psychologist Helena Antipoff (1892-1974) in science, education and human rights (Latin America, Europe and Russia). Proceedings of the International Colloquium. Moscow: Alexander Solzhenitcyn’s House of Russia Abroad, p. 25-45.
Parabéns!