Psicologia da Libertação no Brasil: esperança para aqueles que resistem

Hoje, 16 de novembro, nosso blog comemora o triste e injusto desaparecimento de Ignacio Martín-Baró: sua vida e sua morte fazem parte da história da psicologia latino-americana.

Por Raquel Guzzo – PUC, Campinas

Desde 1962, quando foi instituída como uma profissão, a Psicologia no Brasil foi se desenvolvendo exponencialmente, passando por vários contextos políticos e sociais. Depois de 58 anos no país, temos hoje 858 cursos de formação em nível de graduação; 100 programas de formação em pós-graduação, mestrado e doutorado, demonstrando que a profissão e a pesquisa em Psicologia estão consolidadas no Brasil. No entanto, o perfil de formação tem sido, profundamente, marcado por uma forte influencia de países do hemisfério norte, especialmente Europa e Estados Unidos, sem respostas às situações políticas e sociais de desigualdade e exploração que se agravam a cada dia.  A formação em Psicologia é, predominantemente, fundamentada em uma prática clínica orientada por modelos teóricos conservadores que não contribuem para a superação dos problemas presentes em na realidade brasileira. Assim, a Psicologia revela seu compromisso com a classe dominante, sem o compromisso com a maioria da população que vive em um cotidiano de opressão, exploração e violência.   

No contexto da pandemia, vivemos um conjunto de outras crises, como a econômica e climática, as quais impõem à Psicologia uma resposta consistente de como as pessoas podem enfrentar essas ameaças e, principalmente, como podem afetar a história da humanidade pela indignação, resistência e reação contra a normalização de condições adversas, perversas e criminosas. Como a Psicologia pode dar um salto qualitativo com escolhas radicais que, efetivamente, mudem as condições de vida e promovam a liberdade. Somos escravos desse sistema econômico e social que estimula o lucro a todo custo, a produção indiscriminada, a concentração de renda e a competitividade, ou seja, o sistema capitalista. É preciso uma Psicologia que tenha como horizonte ético e político o fortalecimento das pessoas e grupos para as necessárias mudanças sociais, que enfrente o crescimento do fascismo e autoritarismo no Brasil atual.  Mas, desde que foi instituída no Brasil, a Psicologia seguiu um caminho próprio de uma ciência e profissão colonizada, traduzindo conteúdos e práticas de países do hemisfério norte.

A Psicologia da Libertação, tal como cunhada por Ignácio Martín-Baró em 1996, significou um modo distinto de praticar a Psicologia em contextos de opressão.  Burton e Guzzo (2020) apresentam a origem do termo, dez anos antes, na Espanha por psicólogos argentinos que pensaram em um projeto de uma psicologia mais próxima do modelo marxista, inspirada nas reflexões de Lucian Sève (1978). No entanto, foi com Martín-Baró que a Psicologia da Libertação foi apresentada com substrato teórico e prático para oferecer resposta ao movimento latino americano, especialmente em momento de guerras civis e ditaduras instaladas em países como Brasil e El Salvador.  A Psicologia da Libertação se fundou pela influência da Teologia da Libertação, da Pedagogia Popular e Critica, dos Movimentos Sociais, pela descolonização do pensamento e bastante impregnada pelo conceito da práxis. Pode-se afirmar que essa proposta nasce de um momento de reação às violências políticas da época e como uma proposta de resistência frente à dominação imperialista e a subalternidade social e científica da psicologia latino-americana. Fortalecer para resistir e enfrentar foram, basicamente, as premissas da Psicologia da Libertação, tanto para a formação profissional quanto para o exercício prático da profissão em diferentes campos de atuação. 

A Psicologia da Libertação parte de uma realidade concreta em que a repressão, a opressão e a violência aparecem como resultado das políticas neoliberais, analisando as consequências dos conflitos sociais para as pessoas e grupos sociais. Por essa razão, a Psicologia de Inácio Martín-Baró serve como amalgama para o fortalecimento contra as expressões mais contundentes de um regime político que desconsidera os movimentos sociais, as diversas formas de participação democrática, e que implanta as ditaduras, a repressão, a tortura, a perseguição política como uma mão poderosa do estado sobre a população. Sendo forjada e em um contexto revolucionário de grandes contrastes sociais, a psicologia de Martín-Baró é um movimento de esperança para a emancipação de uma classe social que se opõe ao domínio de outras tentando mudar a história de décadas de colonização.

Ignacio Martín-Baró: 1942-1989

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