Os brasileiros comemoram hoje, dia 27 de agosto, 50 anos da aprovação da lei que dispõe sobre os cursos de formação em Psicologia e regulamenta a profissão de Psicólogo.
A Psicologia, como disciplina científica, começou a se constituir na Europa – em países como Alemanha, França, Inglaterra, Itália – e nos Estados Unidos no século XIX. Ainda neste século, suas teorias e práticas começaram a ser recebidas no Brasil e difundidas por meio do ensino e da produção de teses nas Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e de Salvador (Bahia). Utilizavam-se de Wundt, Galton, Ribot, Charcot, Janet, Binet, Lombroso, James, uma miscelânea que fazia parte do modo brasileiro de recepção das produções estrangeiras à época. Mais informações sobre as teses da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro podem ser obtidas aqui e, da Faculdade de Medicina da Bahia, aqui.

Nas primeiras décadas do século XX, embora aqueles autores e outros continuassem sendo utilizados no meio médico, principalmente Binet e os testes psicológicos se farão presentes em outros campos, como os da Educação, do Direito, da Educação Física.
Subsumida, então, sob outras disciplinas, somente na década de 1940, início do processo de industrialização brasileira, iremos encontrar pessoas que se intitulam psicotécnicos ou psicologistas. Estas pessoas, com formações diferentes, mas principalmente em Educação e em Filosofia, se interessam por estudo mais aprofundado em Psicologia, que fazem normalmente de forma autodidata ou em cursos de curta duração.

Complementam sua formação prática em estágios. E exercem sua prática em instituição do serviço publico, principalmente voltadas ao escolar, onde fazem psicodiagnóstico. Esta ênfase não se modifica quando são criadas as instituições dedicadas à seleção e orientação profissionais nem quando surgem aquelas dedicadas à orientação infanto-juvenil; a marca inicial da profissão será o psicodiagnóstico embasado em testes psicológicos. As fotos de época e as biografias mostram que será realizado por mulheres, brancas, de classe média ou média alta. São poucos os homens no contexto profissional da época e, normalmente, ocupam o cargo de dirigentes.
Num país de dimensões continentais como o Brasil, é importante ter claro que Psicologia, naquele momento, situava-se como uma disciplina nas Escolas Normais em todo o país. Mas, enquanto experiência profissional – principalmente quando as pessoas começam a se nomear, e a serem nomeadas, como “psicologistas” ou “psicotécnicas” – estava restrita ao então Distrito Federal (hoje Rio de Janeiro) e aos Estados de São Paulo, Pernambuco, Rio Grande do Sul e Minas Gerais.

Em 1947, ocorre a fundação da Sociedade de Psicologia de São Paulo e, em 1949, da Associação Brasileira de Psicotécnica (ABP), no Rio de Janeiro. Ambas criam, em setembro de 1949, seus periódicos. São, respectivamente, o Boletim de Psicologia, que mantém seu nome até hoje, e os Arquivos Brasileiros de Psicotécnica, cujo nome foi alterado para Arquivos Brasileiros de Psicologia Aplicada em 1968 e, depois, para Arquivos Brasileiros de Psicologia, nome pelo qual continua sendo publicado. São os mais antigos periódicos brasileiros em circulação, atualmente avaliados pelo Qualis CAPEScomo B2 e A2, respectivamente.

Em 1954, os Arquivos Brasileiros de Psicotécnica publicaram um Anteprojeto de currículo mínimo para o Curso de Psicologia, elaborado pela Associação Brasileira de Psicotécnica. É importante assinalar, contudo, que tanto a associação quanto o periódico tiveram a participação de Emilio Mira y Lopez em sua criação. Personagem relevante da historia da Psicologia espanhola, argentina e brasileira, diretor do Instituto de Seleção e Orientação Profissional da Fundação Getúlio Vargas (ISOP/FGV) no Rio de Janeiro, Mira y Lopez permitiu que os Arquivos fossem publicados pelo ISOP e que a ABP fizesse suas reuniões nesta instituição. Muito criticado pelas outras associações existentes à época, principalmente a Associação Brasileira de Psicólogos e a Sociedade Paulista de Psicologia, o anteprojeto certamente serviu de disparador para discussões que levaram a novos anteprojetos até a finalização do processo em 1962.
Outro ponto a salientar é que a Igreja Católica havia sido no Brasil – e em outros lugares – abertamente contra ao que denominara “psicologia materialista”. Entretanto, aos poucos entendeu ser melhor ter aquele corpo de novos conhecimentos sob seu controle. Neste sentido, em março de 1953 ocorre a criação do primeiro curso de graduação em Psicologia no Brasil, na PUC-Rio. Este será seguido pelo da PUC-RS em março de 1954.
Assim, a Psicologia, no Brasil dos anos 1950, era uma disciplina no sentido exposto por Fernando Vidal: uma estrutura social e intelectual caracterizada pela existência de indivíduos que reconhecem a si própria como seus praticantes; em que há um conjunto de saberes, regras, métodos, divergências, técnicas considerados relevantes; em que há uma terminologia comum; em que há periódicos e associações; em que há profissionais considerados como dotados de uma autoridade intelectual para a transmissão do conhecimento; em que há pessoas interessadas em aprender sobre o novo campo.
No início da década de 1930 houvera uma proposta de curso de graduação em psicologia, feita por Waclaw Radecki e seu grupo de discípulos a partir do Laboratório de Psicologia da Colônia de Psicopatas de Engenho de Dentro. A interpretação usual do fracasso desta tentativa refere-se à pressão, tanto de grupos médicos quanto de grupos católicos, em relação à formação de psicólogos. Mas será que, naquele momento, tínhamos em gestação uma disciplina?
Daqueles debates derivados do anteprojeto lançado pela Associação Brasileira de Psicotécnica, conduzidos pelas associações de psicologia da época e acompanhados pelo corpo profissional já existente – mulheres, principalmente – chegamos, em 1962, à promulgação da Lei 4119/62, em 27 de agosto de 1962, pelo então Presidente da República João Goulart, que regulamenta a profissão de psicólogo e os cursos de Psicologia no Brasil.
Completam-se, este ano, 50 anos desta Lei. Inúmeras comemorações estão sendo planejadas, como uma Exposição sobre a História da Psicologia no Brasil e a II Mostra de Práticas Psicológicas. Tais comemorações são importantes para o imaginário social, para a consolidação da relevância da profissão.
Para nós que trabalhamos com história da ciência psicológica, contudo, é importante sinalizar que esta data representa a legalização de um processo que, em termos sociais e historiográficos, se consolidara na década de 1950.
A equipe de editores do blog agradece a coordenadora da RIPeHP Ana Maria Jacó-Vilela, que colaborou na escrita desse post.
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